segunda-feira, 29 de outubro de 2012

O Caminho da Beleza 50 - Festa de Todos os Santos


 O Caminho da Beleza 50
Leituras para a travessia da vida


A beleza é a grande necessidade do homem; é a raiz da qual brota o tronco de nossa paz e os frutos da nossa esperança. A beleza é também reveladora de Deus porque, como Ele, a obra bela é pura gratuidade, convite à liberdade e arranca do egoísmo” (Bento XVI, Barcelona, 2010).

Quando recebia tuas palavras, eu as devorava; tua palavra era o meu prazer e minha íntima alegria” (Jr 15, 16).

“Não deixe cair a profecia” (D. Hélder Câmara, 1999, dias antes de sua passagem).

Festa de Todos os Santos                    04.11.2012
Ap 7, 2-4- 4.9-14               1 Jo 3, 1-3                Mt 5, 1-12


ESCUTAR


“Vi uma multidão imensa de gente de todas as nações, tribos, povos e línguas, e que ninguém podia contar. Estavam de pé diante do trono e do Cordeiro; trajavam vestes brancas e traziam palmas na mão” (Ap 7, 9)

“Amados, desde já somos filhos de Deus, mas nem sequer se manifestou o que seremos! Sabemos que, quando Jesus se manifestar, seremos semelhantes a ele, porque o veremos tal como ele é” (1 Jo 3, 2).


“Vendo Jesus as multidões, subiu ao monte e sentou-se. Os discípulos aproximaram-se, e Jesus começou a ensiná-los: Bem aventurados...” (Mt 5, 1-3).


MEDITAR

“A santidade é a humanidade inteira acolhida na redenção do Cristo, pois a santidade não é um exame de passagem difícil mesmo quando é realizado pela autoridade da Igreja. A santidade é uma graça de Deus que liberta o homem do seu pecado e o faz entrar na comunhão de Deus” (Cardeal Lustiger).

“Deus, que se fez Cordeiro, diz-nos que o mundo é salvo pelo Crucifixo e não pelos que crucificam. O mundo é redimido pela paciência de Deus e destruído pela impaciência dos homens” (Bento XVI).


ORAR

Os santos, quando aparecem em nosso horizonte, constituem uma provocação, pois o melhor de nós que se esconde no mais profundo do coração não é outra coisa que a santidade. O mais grave é imaginar que a santidade está vinculada a fenômenos excepcionais ou é feita de uma matéria rara. A santidade é feita exclusivamente de amor, é uma questão de amor e o amor é tudo: é ele que nos torna santos e o santo é alguém que não tem medo de se deixar amar. João nos incentiva: “Desde já somos filhos de Deus, mas nem sequer se manifestou o que seremos”. Muitas vezes não apenas não queremos conhecer o que seremos, mas também não queremos saber o que somos e o que podemos ser e, por esta razão, temos dificuldades em aceitar as infinitas possibilidades que Deus nos oferece. Os santos aceitam todas as possibilidades de Deus. Como afirma o cardeal von Balthasar: “Ser santo é suportar o olhar de Deus”. Deus age em nós como uma música silenciosa porque não precisamos, necessariamente, falar de Jesus, pois falar Dele é sempre limitá-Lo e, quase sempre, fazer Dele uma caricatura. As bem-aventuranças não se dissolvem no tempo finito porque elas têm a mesma duração de Deus e Deus não descumpre a sua promessa e nem retira a sua palavra. Basta que nos aproximemos delas para ouvi-las. Santos são todos os que tiveram a coragem de dar esse passo de aproximação, de romper a sua maneira habitual e acomodada de ser e de interpretar a vida. Santos são os que não se contentam com as sensações comuns, efêmeras e inconsistentes em torno das quais sempre há muita gente. Os santos não recusam e nem desprezam a alegria, mas buscam a felicidade definitiva que dela brota. Os santos são impacientes de alegria e esta é a única tentação a que cedem e continuarão a ceder, testemunhando que a vida não é um pequeno parêntese entre dois imensos vazios. Na verdade, Deus está conduzindo até a sua verdadeira plenitude o desejo de mais vida, de justiça e de paz, cravado no interior da criação e no coração da humanidade. Acreditar no céu é acreditar que a imensa maioria de homens, mulheres e crianças que só conhecem desta vida a imposição dos poderes políticos, com a conivência das igrejas, a omissão profética dos seus pastores, as guerras, as misérias e a humilhação, não ficará sepultada no esquecimento. Todos eles conhecerão o olhar de Deus, a sua ternura e seus abraços. Todos, inclusive os santos de todas as religiões e de todos os ateísmos que viveram, anônimos, amando gratuitamente, sem nada esperar receber em troca. São homens e mulheres que vivem, mesmo sem o saber, o proclamado por Paulo: “Ele nos consola em todas as nossas aflições, para que, com a consolação que nós mesmos recebemos de Deus, possamos consolar os que se acham em toda e qualquer aflição” (2 Cor 1, 3-4). E, finalmente, poderemos ouvir ecoar as palavras de Deus: “Quem tiver sede venha, quem quiser receberá gratuitamente água de vida” (Ap 22, 17) e Deus saciará, sem que o mereçamos, a sede de vida que existe em todos nós.

CONTEMPLAR

Adoração da Trindade, Albrecht Dürer, 1511, óleo sobre madeira, 135 x 123 cm, Kunsthistorisches Museum, Viena, Áustria.

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

O Caminho da Beleza 49 - XXX Domingo do Tempo Comum


O Caminho da Beleza 49
Leituras para a travessia da vida


A beleza é a grande necessidade do homem; é a raiz da qual brota o tronco de nossa paz e os frutos da nossa esperança. A beleza é também reveladora de Deus porque, como Ele, a obra bela é pura gratuidade, convite à liberdade e arranca do egoísmo” (Bento XVI, Barcelona, 2010).

Quando recebia tuas palavras, eu as devorava; tua palavra era o meu prazer e minha íntima alegria” (Jr 15, 16).

“Não deixe cair a profecia” (D. Hélder Câmara, 1999, dias antes de sua passagem).

XXX Domingo do Tempo Comum              28.10.2012
Jr 31, 7-9                 Hb 5, 1-6                 Mc 10, 46-52


ESCUTAR

“Eis que eu os trarei do país do Norte e os reunirei desde as extremidades da terra; entre eles há cegos e aleijados, mulheres grávidas e parturientes: são uma grande multidão os que retornam” (Jr 31, 7-8).

“Todo sumo sacerdote é tirado do meio dos homens e instituído em favor dos homens nas coisas que se referem a Deus, para oferecer dons e sacrifícios pelos pecados. Saber ter compaixão dos que estão na ignorância e no erro, porque ele mesmo está cercado de fraqueza” (Hb 5, 1-2).

“Então Jesus lhe perguntou: ‘O que queres que eu te faça?’ O cego respondeu: ‘Mestre, que eu veja!’ Jesus disse: ‘Vai, a tua fé te curou’. No mesmo instante, ele recuperou a vista e seguia Jesus pelo caminho” (Mc 10, 51-52).


MEDITAR

“Tentemos falar o menos possível de Deus: nós O estragamos quando falamos. Tratemos de sermos nós mesmos uma palavra viva de Deus. Se vivermos Deus, se O respiramos, se somos engrandecidos pela sua Presença, se nos libertarmos porque cessamos de nos olhar e O olharmos, sentiremos e isto será, então, a mais bela revelação de Deus” (Maurice Zundel).

“O reencontro amoroso, se ele renuncia a dominar, se ele honra e respeita, faz nascer uma relação densa, um amor puro que corre no fundo das almas” (Anselm Grün).


ORAR


E Deus olhou tudo o que havia feito: e era muito belo” (Gn 1,31). Desta forma se encerra o mito da criação da nossa tradição. Olhar a beleza do que foi criado. O evangelho deste domingo nos mostra um cego que olha Jesus, o corpo poético do Pai. Nos domingos anteriores encontramos o jovem rico que, apesar de ver, não se deixou atingir pelo olhar de Jesus e partiu triste por causa da sua riqueza; depois Tiago e João que viam Jesus todos os dias foram incapazes de olhá-Lo e pediram privilégios. Bartimeu, cego e mendigo, pede a visão, despojando-se do único bem que tinha: o manto que estendia para receber esmolas para sobreviver. O evangelista, ironicamente, revela que o mendigo cego é quem vê Jesus com maior clareza do que seus discípulos. No olhar do seu coração, Bartimeu é quem introduz o título para Jesus de Filho de Davi. Os primeiros, o jovem rico e depois Tiago e João, apesar de verem, tinham seus corações velados pela cegueira da riqueza e dos privilégios. O que nossos olhos vêem hoje? A miséria moral e material, a corrida armamentista, a posse gananciosa de bens, o sarcasmo dos opressores, o deboche dos governantes, a mentira corrosiva da corrupção e, sobretudo, o descaso com a criação e com a vida humana. E Jesus pede que o nosso coração seja capaz de tamanha fé que, sem preocuparmos com o dia de amanhã, olhemos os lírios dos campos e as aves do céu. Loucura dos poetas e artistas, desde sempre os profetas dos tempos futuros: “O lobo e o cordeiro andarão juntos, e a pantera se deitará com o cabrito, o bezerro e o leão engordarão juntos; um menino os pastoreia; a vaca pastará com o urso, suas crias se deitarão juntas, o leão comerá palha com o boi” (Is 11, 6-7). Jesus ensina que reconhecer o outro é se deixar invadir pelo seu ser. Mas, se por medo nos mantivermos reclusos, o nosso olhar lançará uma sombra sobre a luz do outro, acentuará os seus defeitos e disseminará uma antipatia: “Tem Belzebu dentro de si” (Mc 3, 22), caluniaram os escribas sobre Jesus. E o olhar simplesmente deixará de perceber o que está diante de si, pois “só se vê bem com o coração, o essencial é invisível aos olhos” (Saint Exupery). Nós, cristãos, não somos como as testemunhas primitivas que viram e não creram. Devemos ser, com os olhos do coração, da descendência daqueles que creram sem ter visto. A vida continua a se manifestar e devemos continuar a vê-la agarrados ao Invisível como se fosse visível (Hb 11, 27). E ao olharmos com o coração o Invisível que brota de nossas entranhas e de nossa relação com o próximo, seremos nós mesmos olhados e desnudados em nossa autenticidade. Como afirmou Santa Edith Stein, recusando-se a negar a sua origem judaica diante da insanidade cega dos nazistas: “Seja diante de cada olhar o que você é. É preciso ser ao olhar de todos aquilo que se é no olhar de Deus”.  Olhar o Cristo é não fixar os olhos no imediatismo da nossa vida, mas saber que este encontro de olhares conduz nossos corações ao invisível de Deus: “Quem me vê, vê aquele que me enviou” (Jo 12, 45). Como os olhos de Jesus, “os olhos da gente não tem fim” (Guimarães Rosa) e o olhar do seu coração sempre nos indagará amorosamente: “Que queres que eu te faça?”.

CONTEMPLAR

Cura do homem cego, Edy-Legrand (Edouard Léon Louis Warschawsky), obra a carvão em Bíblia editada por François Amiot e Robert Tamisier, França, 1950.



segunda-feira, 15 de outubro de 2012

O Caminho da Beleza 48 - XXIX Domingo do Tempo Comum


O Caminho da Beleza 48
Leituras para a travessia da vida

A beleza é a grande necessidade do homem; é a raiz da qual brota o tronco de nossa paz e os frutos da nossa esperança. A beleza é também reveladora de Deus porque, como Ele, a obra bela é pura gratuidade, convite à liberdade e arranca do egoísmo” (Bento XVI, Barcelona, 2010).

Quando recebia tuas palavras, eu as devorava; tua palavra era o meu prazer e minha íntima alegria” (Jr 15, 16).

“Não deixe cair a profecia” (D. Hélder Câmara, 1999, dias antes de sua passagem).


XXIX Domingo do Tempo Comum             21.10.2012
Is 53, 10-11             Hb 4, 14-16             Mc 10, 35-45


 ESCUTAR

“Meu Servo, o justo, fará justos inúmeros homens, carregando sobre si suas culpas” (Is 53, 11).


“Aproximemo-nos então, com toda a confiança, do trono da graça, para conseguirmos misericórdia e alcançarmos a graça de um auxílio no momento oportuno” (Hb 4, 16).

“Quem quiser ser grande, seja vosso servo; e quem quiser ser o primeiro, seja o escravo de todos” (Mc 10, 43-44).


MEDITAR

“A inteligência é insípida sem altruísmo” (Michel Bouthot).


"Você não pode tornar Deus católico... Certamente, as pessoas precisam de regras e de limites... Mas Deus tem o coração sempre maior" (Cardeal Martini).


ORAR

            Os textos deste domingo nos colocam diante do valor fundamental da nossa sociedade atual: o status e o poder. O evangelista, ao narrar o pedido dos filhos de Zebedeu, denuncia o fisiologismo, a busca da satisfação de interesses, de vantagens pessoais ou partidárias, em detrimento do bem comum: queimando todas as etapas do seguimento de Jesus, sobretudo a cruz, os dois pediam para estar, lado a lado, na glória do Senhor. A ambição do poder rompe todo e qualquer princípio, transforma-se numa violenta injustiça porque corrompe as pessoas, gera a discriminação, legitima a traição, incentiva a divisão, estimula o cinismo e aguça os preconceitos que amarram a vida, diminuindo a nossa própria humanidade. O pedido é sumariamente recusado e Jesus os faz descobrir a condição para o acesso à glória: o servir a todos. Jesus não estabelece uma regra para vencer na vida, mas traça o caminho do seguimento. Servir não é desaparecer, nada fazer, dar algumas poucas horas voluntárias ou recusar responsabilidades. Servir é tornar público o nosso testemunho de amor ainda que sejamos vítimas do ardil das pessoas que só pensam em si mesmas, como Tiago e João. O caminho da cruz não é feito de um dolorismo, como muitas vezes somos levados a pensar. O caminho da cruz não é um sofrer, mas é, antes de tudo, um servir. A pedagogia de Jesus, como uma sinfonia, vai num crescendo: primeiro, devemos tomar a nossa cruz e arriscar a nossa vida pelo Evangelho; depois viver entre irmãos num testemunho de amor fraterno e, finalmente, assumirmos a identidade com o Cristo-Servo até o dom da sua vida por todos. Jesus tinha uma verdadeira repulsa contra a ambição entre seus discípulos: “Sabeis que os que são considerados chefe das nações as dominam, e os seus grandes fazem sentir seu poder. Entre vós não deve ser assim. Quem quiser ser o maior entre vós seja aquele que vos serve, e quem quiser ser o primeiro entre vós seja o escravo de todos”. Jesus entendia que o ser humano não é chamado apenas para sobreviver, mas para expandir tanto a plenitude da sua própria humanidade quanto a do mistério de Deus. Ele nos conclama a possuirmos tão plenamente a nossa vida que possamos doá-la sem medo. Jesus marca a sua vida por uma liberdade tão assustadora para os que não são livres que eles se levantam com ira para destruir o doador da vida. A cruz de Jesus representa, nestes nossos tempos, essa destruição que ainda acontece nas disputas e nas guerras religiosas. A cruz revela o poder ameaçador do amor presente na vida deste homem que se oferece como vítima, como tantos homens e mulheres se ofereceram por amor aos seus irmãos, sem se importar com seu credo, raça ou status. Jesus testemunha que uma vida marcada pelo amor é uma vida que se manifesta na disposição humana de se aventurar além das fronteiras da segurança. Uma vida que rompe toda e qualquer estagnação e que nos chama a existir, a expandir a vida que flui por meio de nós. É o amor e o servir que intensificam uma vida que nunca terá necessidade de se proteger e nem de se justificar, pois ela se torna a nossa porta de entrada ao infinito e inesgotável poder do amor. Numa vida assim beber o cálice é sorver, até a última gota, o amor que conseguimos como entrega e oblação; e ser batizado é mergulharmos no risco que acarreta de sermos cristãos no mundo de hoje, pois Jesus não está do lado do triunfo e do sucesso, mas da fraqueza e da morte. E o Cristo não espera de nós o sucesso, mas a fidelidade. Muitas vezes, o servir e o amar são um sinal de contradição, praticado por poucos, causando incômodos à opinião de uma maioria acostumada a ser atendida apenas em seus interesses. Jesus nos ensina a acolher os dons que recebemos do Pai, a discernir, no Espírito, os dons alheios e, juntos, colocá-los, de geração em geração, a serviço da humanidade. Jesus nos ensina a afastar qualquer triunfalismo e a seguirmos leais diante dos desafios políticos do mundo. Nunca é demais lembramos a frase do dramaturgo alemão Bertold Brecht após a derrota do nazismo: “Não se alegre com a derrota dele, jovem. Embora o mundo erguendo-se tenha derrubado o canalha, a cadela que o gerou está novamente no cio”. Que possamos, como cristãos, diante da responsabilidade que nos cabe na transformação do mundo, pedirmos: “Pai amoroso, perdoa-nos quando dermos importância demais àquilo que a Ti pouco importa!”.

CONTEMPLAR

Martírio de São João Evangelista na Porta Latina, Charles Le Brun, 1641-42, óleo sobre tela, 282 x 224 cm, Saint-Nicolas du Chardonnet, Paris, França.

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

O Caminho da Beleza 47 - XXVIII Domingo do Tempo Comum


O Caminho da Beleza 47
Leituras para a travessia da vida

A beleza é a grande necessidade do homem; é a raiz da qual brota o tronco de nossa paz e os frutos da nossa esperança. A beleza é também reveladora de Deus porque, como Ele, a obra bela é pura gratuidade, convite à liberdade e arranca do egoísmo” (Bento XVI, Barcelona, 2010).

Quando recebia tuas palavras, eu as devorava; tua palavra era o meu prazer e minha íntima alegria” (Jr 15, 16).

“Não deixe cair a profecia” (D. Hélder Câmara, 1999, dias antes de sua passagem).


XXVIII Domingo do Tempo Comum                     14.10.2012
Sb 7, 7-11                 Hb 4, 12-13             Mc 10, 17-30


ESCUTAR

“Orei, e foi-me dada a prudência; supliquei, e veio a mim o espírito da sabedoria. Preferi a Sabedoria aos cetros e tronos e em comparação com ela, julguei sem valor a riqueza; a ela não igualei nenhuma pedra preciosa, pois a seu lado, todo o ouro do mundo é um punhado de areia e diante dela, a prata, será como uma lama”(Sb 7, 7-9).

“A Palavra de Deus é viva, eficaz e mais cortante do que qualquer espada de dois gumes” (Hb 4, 12).

“Meus filhos, como é difícil entrar no Reino de Deus! É mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha do que um rico entrar no Reino de Deus” (Mc 10, 24-25).


MEDITAR

“No mundo atual, abusamos demais da palavra amor: a empregamos para designar um sentimento egoísta, um amor que é um fim em si mesmo” (Madre Teresa).

“As quedas dos iniciantes provêm, na maior parte, da avidez. Nos que progridem vêm também de uma alta consideração por si mesmos. Para os que se aproximam da perfeição, vêm unicamente do fato de julgar o próximo” (João Clímaco, eremita).


ORAR

No evangelho de hoje, Jesus revela que a riqueza e o dinheiro são mais perigosos que o demônio, pois são eles que nos bloqueiam a compaixão, a autenticidade e a coragem diante das incertezas da vida. Para Jesus, a questão essencial não é a da pobreza, mas a da riqueza. Somos consumidos pela ilusão de encontrar no dinheiro alguma coisa que poderia acalmar as nossas angústias existenciais e o avaro suja o dinheiro porque não o usa, mas o esconde e o deixa, após a morte, para a ferrugem, para os ladrões e para o diabo que dividirá a família por causa da herança material. São João Crisóstomo pregava: “O meu e o teu são a causa de todas as discórdias”. Os homens são os únicos seres do mundo a saber que jamais escaparão da realidade da morte e, diante disto, a acumulação de bens não basta para enfrentar este inverno, pois ainda que nos tornássemos ricos o nosso medo não teria limite e o nosso terror não teria fim. A única saída para o enfrentamento da nossa finitude é aceitar a nossa pobreza essencial diante de Deus e abrir os nossos corações à pobreza dos outros. São Basílio exortava: “Procurais celeiros? Vós os tendes: estes celeiros são o estômago dos pobres que têm fome”. Jesus, neste evangelho, acalma-nos a angústia e nos faz superar a atitude de sermos, ao mesmo tempo, juízes e carrascos de nós mesmos: “Só Deus é bom”. Jesus faz o jovem rico, assim como nós, ganhar a lucidez ao descobrir o vínculo imediato que existe entre a superficialidade da sua/nossa vida e a coisificação do seu/nosso ser pelo dinheiro e pela posse desmedida dos bens materiais. É o dinheiro que nos converte em cegos à miséria que co-existe ao nosso lado e surdos aos gritos de aflição dos que são vitimados pela indigência. Uma sociedade que estimula o consumismo deixa como herança uma montanha ornada pelo vazio bocejante do dinheiro que tudo devora e que, ao digerir o devorado, expele-o como lixo espiritual, cultural e religioso. O salmista previne: “Se a vossa fortuna prospera, não lhe deis o coração” (Sl 62, 11). O olhar de Jesus, que procuramos evitar, ao virarmos a face para não ver os pobres, desnuda a nossa miséria interior e a nossa impotência humana para a doação e o risco. Jesus nos revela que o cêntuplo durante esta vida não será a prosperidade das riquezas materiais, mas a riqueza das riquezas: a vida eterna. O alerta de São Francisco ecoa até hoje para a Igreja que ajudou a reconstruir: “A riqueza traz o poder e o poder dilui a presença do Evangelho”. Escutemos as palavras de Jean Giono, escritor e pacifista francês, em 1937: “Privam-te das chuvas, das neves, dos sóis, das montanhas, dos rios, das florestas e da pátria que são as verdadeiras riquezas do homem. Tudo foi feito para ti e no fundo das tuas mais escuras veias fostes feito para tudo. Mas, ao contrário, deram-te em lugar uma pátria econômica, um monstro que exige, periodicamente, o sacrifício das jovens gerações, pois a pátria que te inventaram tem cada vez mais apetite”. Meditemos as palavras de Jesus, narradas pela comunidade de Mateus: “Não acumuleis riquezas na terra onde roem a traça e o caruncho, onde os ladrões arrombam e roubam. Acumulai riquezas no céu, onde não roem traça nem caruncho, onde ladrões não arrombam nem roubam. Pois onde está tua riqueza, aí estará teu coração” (Mt 6, 19-21).

CONTEMPLAR
Porque era muito rico, George Frederic Watts, 1894, óleo sobre tela, 1397 x 584 mm, Tate Collections, Reino Unido.

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

O Caminho da Beleza 46 - XXVII Domingo do Tempo Comum


O Caminho da Beleza 46
Leituras para a travessia da vida

A beleza é a grande necessidade do homem; é a raiz da qual brota o tronco de nossa paz e os frutos da nossa esperança. A beleza é também reveladora de Deus porque, como Ele, a obra bela é pura gratuidade, convite à liberdade e arranca do egoísmo” (Bento XVI, Barcelona, 2010).

Quando recebia tuas palavras, eu as devorava; tua palavra era o meu prazer e minha íntima alegria” (Jr 15, 16).

“Não deixe cair a profecia” (D. Hélder Câmara, 1999, dias antes de sua passagem).


XXVII Domingo do Tempo Comum                       07.10.2012
Gn 2, 18-24            Hb 2, 9-11               Mc 10, 2-16

ESCUTAR

“Por isso o homem deixará seu pai e sua mãe e se unirá à sua mulher, e eles serão uma só carne” (Gn 2, 24).

“Pois tanto Jesus, o Santificador, quanto os santificados, são descendentes do mesmo ancestral; por esta razão, ele não se envergonha de chamá-los irmãos” (Hb 2, 11).

“Foi por causa da dureza do vosso coração que Moisés vos escreveu este mandamento” (Mc 10, 5).


 MEDITAR

“O que é essencialmente novo no Evangelho, é uma nova dimensão de grandeza: a dimensão da generosidade. A grandeza é a de ser generoso; a grandeza é a de saber dar; a grandeza é a de se dar, dar todo o seu ser e de tudo dar dando-se a si mesmo” (Maurice Zundel).

“Não podemos grande coisa, pois somos gente comum; não temos nas mãos as chaves das decisões. Contudo, cada um de nós pode fazer alguma coisa. O quê? Perdoar! Sim, perdoar. Se pedirmos a Deus, Ele nos ouvirá e nos mostrará como fazer” (Cardeal Lustiger).


 ORAR

            A narrativa de Gênesis é poética e desvela que é na mulher que o homem se reconhece a si mesmo: “Desta vez, sim, é osso dos meus ossos e carne da minha carne! Ela será chamada ‘mulher’, porque foi tirada do homem”. Adão descobre o seu companheiro para o amor: o ser que brota ao preço da ferida do seu coração. Este ser que o Criador lhe entrega após um longo sono era semelhante a ele, mas diverso. E o esponsal se fez: ser um para ser diverso. No evangelho, Jesus não se refere a nenhuma prescrição da lei, mas retoma a cena da manhã original não como uma lembrança do passado, mas como a imagem do paraíso e de uma realidade essencial inserida no coração: “Os dois formarão uma só carne, assim, já não são dois, mas uma só carne”. Não havia regras para o amor, nem leis, pois não havia necessidade disto. Jesus não prescreve nenhuma legislação matrimonial. Não era casado e, escandalosamente, convidava os que queriam segui-Lo a deixar tudo – família, vida acomodada, propriedades, bens acumulados. Jesus afirma que a nossa única regra, que resume toda a Lei e os profetas, é o amor, tal como existia no paraíso, pois só o seu sopro possui a amplidão e a infinitude do próprio Deus. Por essa razão, não podemos aniquilar o amor e desfazê-lo.  Podemos tornar os amantes infelizes, infligir-lhes todos os males e sofrimentos, persegui-los até a morte, mas não saberíamos matar o amor: “As águas torrenciais não poderão apagar o amor, nem os rios afogá-lo” (Ct 8, 7). É por isto que, para Jesus e o seu Evangelho, o amor não tem, por princípio, necessidade de nenhuma lei que o regulamente. Jesus queria e quer pessoas livres capazes de construir vínculos de amor indissolúveis que se convertam em dom recíproco. Jesus garante que o vínculo entre os que se amam vem da força de origem divina que trazemos em nós, esta extraordinária potência libertadora do amor. Para Ele, são as pessoas, inundadas e sustentadas pelo sopro divino, que fundam e respondem pelos esponsais e não os poderes civis e religiosos que os instituem. O amor salva e as leis que inventamos salvaguardam os direitos dos mais fortes. Só a dureza de coração tem necessidade de leis rígidas que nada têm a ver com as palavras de amor que Deus quer ouvir pronunciadas entre nós. Moisés legisla para proteger a mulher da maldade e desamor dos homens que, arbitrariamente, as repudiavam como se pudessem atirar a primeira pedra. Jesus, do mesmo modo desafia-nos: “Geração adúltera, até quando terei que vos suportar?” E uma geração adúltera é uma geração que se prostitui aos ídolos, que hoje são produzidos pelo mercado para nos iludir e colocar em outros amores os nossos corações. E Deus perdoa ao seu Povo-Esposa o adultério, pois seu amor é sem limites e sua aliança irrevogável. Jesus não nos deixa ludibriar e esquecer que a maior traição é casar sem se esposar!


CONTEMPLAR

O Cântico dos Cânticos I, Marc Chagall, 1960, Coleção “A Mensagem Bíblica”, óleo sobre tela, 146,5 x 171,5 cm, Museu Nacional Marc Chagall, Nice, França.